terça-feira, 10 de novembro de 2009

QUÊNIA: ENTRE TRADIÇÕES E A GLOBALIZAÇÃO


Este artigo vem de encontro à vontade de um queniano de expressar algumas idéias sobre seu país natal, o qual espera que este texto seja bem elucidativo e esclarecedor sobre questões de suma importância.


Geografia Física e Política do Quênia
O Quênia é um país do leste africano, cujas fronteiras limítrofes são: Ao norte a Etiópia; Ao nordeste a Somália; Ao leste o oceano Índico; Ao sul a Tanzânia; À oeste a Uganda e o lago Victória (lago este de grande importância por fazer fronteira com três países – Quênia, Tanzânia e Uganda); E ao noroeste o Sudão. Sua latitude fica entre 5º ao norte e 5º ao sul do Equador e sua longitude entre 30º e 45º a leste do meridiano de Greenwich.

Mapa do Quênia
Sua capital é Nairóbi (ao centro do país), mas a cidade queniana mais importante é Mombasa (devido ao turismo), localizada no litoral sul. O Quênia possui uma população de trinta e cinco milhões de habitantes. Sua área é de 582650 quilômetros quadrados e, no entanto, sua população não se distribui uniformemente, mas se concentra entre o sul e o centro do país, sendo o norte a região menos povoada.

Sua geografia física é bem variada, sendo sua divisão muito marcada pela linha do Equador. O relevo acima da linha do Equador tem planícies enquanto que ao sul temos montanhas, com seu maior pico no monte Kilimanjaro, com 5895 metros (inclusive este é o pico mais alto da África. O Kilimanjaro faz fronteira entre o Quênia e a Tanzânia), e o segundo é o monte Quênia, com 5199 metros. O clima ao norte, o interior do país, é árido (quente e seco), enquanto que ao sul, região litorânea, é tropical (quente e úmido no verão, frio e úmido nas demais estações do ano).
Mapa físico do Quênia
Sua flora ao norte é de savana (vegetação africana parecida com a caatinga brasileira composta de gramíneas e arbustivas associadas a poucas árvores pequenas, retorcidas e de folhas caducas e cascas grossas), onde se abrigam elefantes, rinocerontes, hipopótamos, girafas, búfalos, antílopes e gazelas (grandes mamíferos herbívoros), assim como leões, leopardos, hienas e chacais (carnívoros). Ao sul temos uma selva equatorial, densa, frondosa e exuberante (conhecida como Taita Taveta), que é habitat de inúmeras espécies de aves, símios (chimpanzés e gorilas), répteis, anfíbios e insetos.
História sucinta do Quênia
Na bandeira queniana, o preto representa nossa cor, o vermelho é o sangue de nossos antepassados, o verde representa nossa terra, as listras brancas significam a esperança na paz e as armas tradicionais ao centro as ferramentas de combate ao domínio britânico.

O Quênia, enquanto país, é uma construção política decorrente de sua colonização britânica (iniciada durante o século XIX e somente terminada em 1963), responsável pelas fronteiras que hoje conhecemos, com o intuito de dividir etnias aliadas e unir rivais. Assim, sua população se enfraqueceria entre disputas internas e os colonizadores teriam maior facilidade em explorar suas riquezas naturais. Porém, os primeiros homens brancos a chegar às terras quenianas foram os expedicionários alemães (em 1885), mas não tiveram interesses coloniais, o que deu oportunidade à Inglaterra de iniciar sua colonização de exploração em 1890.

Devemos nos lembrar que os mais recentes estudos apontam para a África como o berço de todas as civilizações, onde surgiram os primeiros Homo sapiens, sendo que os fósseis mais antigos de Homo habilis e Homo erectus, datados de dois milhões e seissentos mil anos, foram descobertos na região do lago Turkana, ao norte do Quênia. Logo, cada etnia africana (o que inclui as quenianas) tem uma história milenar, muito mais antiga do que as dos colonizadores europeus, que pouco se importavam para a cultura africana e só estavam interessados na exploração econômica destes povos.

A humanidade tem suas raízes mais profundas na África, o berço de toda a civilização
Anteriores à colonização branca, as tribos eram agrupamentos populacionais de cultura muito rica, onde os anciãos eram seus líderes naturais, escolhidos por serem os portadores de uma grande sabedoria (inclusive porque a cultura de suas tribos é predominantemente oral, ou seja, como sua história não constava em livros, são os idosos os verdadeiros portadores da história de seu povo), de uma maneira próxima ao que conhecemos das tribos indígenas brasileiras. A natureza era tratada com respeito e o homem se enxergava como parte de um todo, não como um ser superior com o direito de explorar o que quisesse sem a menor responsabilidade. São mais de cinqüenta tribos presentes no Quênia, divididas entre sete etnias distintas. Nestas tribos, a divisão do trabalho destinava às mulheres a agricultura e a pecuária (apenas para própria subsistência), os afazeres domésticos, o abastecimento de água (juntamente com as crianças) e a culinária. Aos homens cabia unicamente à caça, enquanto que a educação das crianças era responsabilidade dos idosos.

A colonização inglesa iniciou-se, como já dito anteriormente, em 1890, onde os britânicos obtiveram minerais preciosos (inclusive quase esgotando todas as reservas de ouro), recursos naturais (madeiras e especiarias) e escravizaram nossa população. Isto perdurou até o início da década de 1950, quando surgiram movimentos de libertação do povo queniano, sendo o principal um movimento da tribo Gikuyu (de etnia Kikuyu) denominado Mau Mau (Burning Spears).

Inúmeras vidas foram dedicadas pela liberdade de um povo que muito sofreu com a exploração branca, e a conseqüência destes atos heróicos foi que, em 1963, os britânicos foram expulsos das terras quenianas. No dia 12 de dezembro de 1963, a Inglaterra reconheceu a independência do Quênia.

Um dos principais líderes do movimento Mau Mau, Mzee Jomo Kenyatta, se tornou símbolo da luta libertária de seu povo (assim como Nelson Mandela e Steve Biko foram para a África do Sul) por ter sido preso e torturado durante sua jornada em busca de igualdade e respeito à sua população. Em 1964, Mzee Kenyatta foi nomeado o primeiro presidente do Quênia pelo partido KANU (Kenya African National Union, ou União Nacional do Quênia africano).
Política contemporânea do Quênia
Mzee Kenyatta foi presidente até sua morte, em 22 de agosto de 1978. Seu vice, Daniel arap Moi, da tribo Turgen (etnia Kalenjin), assumiu o cargo pouco após a morte de Mzee Kenyatta, no dia 14 de outubro de 1978 e manteve o posto com mãos de ferro até 2002 (pelo partido KANU).

Nesse tempo, crises afetaram o país devido à postura ditatorial de Moi, tendo seu ápice no final da década de 1980, com lutas sangrentas entre as tribos Gikuyu e Turgen. Tais conflitos tomaram proporções gigantescas, principalmente quando as etnias uniram diversas tribos, Kikuyu contra Kalenjin, colocando mais de setenta porcento da população em conflito. Em 7 de Julho de 1991 aconteceu uma assembléia que reuniu os descontentes com o governo Moi, onde o povo clamava por democracia. Moi mandou impedir tal assembléia utilizando-se da força policial, o que gerou o massacre mais sangrento da história do país. Os policiais reprimiram o movimento usando de força bruta, o que causou milhares de mortes e inúmeros feridos.

Após todas estas mobilizações, Moi aceitou fazer eleições diretas em 1992. No entanto, seja pela oposição ao governo estar dividida em onze partidos (o que enfraqueceu seus resultados nas urnas), seja pelo controle do processo eleitoral ser feito pelo próprio Moi (com abuso de fraudes), foi assim garantida sua continuidade no governo até 1997, quando Moi repetiu seu processo maquiavélico de fraude, somado ao agravante da oposição de dividir agora em vinte e seis partidos (o que a enfraqueceu mais ainda). Assim, mais uma vez houve continuidade de sua ditadura não oficializada até 2002.

Neste ano, a constituição impediu o presidente Moi de ser candidato novamente. Ele indicou Uhuru Kenyatta (filho do primeiro presidente, Mzee Kenyatta) como novo candidato do partido KANU. Os 10 maiores partidos de oposição se uniram em uma única legenda, denominada NRC (National Rainbow Coalition, ou Coalizão Nacional do Arco-íris). Seu candidato, Mwai Kibaki (da etnia Kikuyu) enfrentou o candidato Uhuru Kenyatta. Mwai Kibaki, que já era um dos vices-presidentes na época do Moi, foi eleito e hoje é o presidente do Quênia, após 24 anos de ditadura Moi.

É claro que Moi não manteve o poder sozinho, mas graças ao apoio de milionários estrangeiros, que colaboravam para sua permanência no governo com o financiamento de suas falcatruas, tendo visibilidade no escândalo de Goldenberg, onde foi descoberto que o governo vendeu ouro nacional a estrangeiros, numa soma equivalente a bilhões de dólares, para uso pessoal dos governantes. Tal escândalo não se resolveu até hoje e o caso ainda circula pelos tribunais.

Economia do Quênia
A moeda oficial do Quênia é o Shilling (nome de origem inglesa).

Os principais produtos agrícolas quenianos são chá, café, milho, trigo, laranja, banana, abacaxi, abacate, girassol, soja, sisal, algodão, coco, cana-de-açúcar, batata, tomate, cebola, arroz, feijão, mandioca e caju. Nossa pecuária tem como predominante a cultura de bovinos, suínos e caprinos, além de piscicultura e avicultura (ou seja, vacas, porcos, cabras, peixes, galinhas, perus, patos, gansos e pavões). Nossos minerais extraídos são a pedra calcária, soda cáustica, ouro, sal e flúor.

A indústria queniana produz plásticos, refino de petróleo, artefatos de madeira, tecidos, cigarros, couro, cimento, metalurgia e comida enlatada. O turismo também rende bons lucros, principalmente em Mombasa (litoral) e na savana queniana (interior). A exportação é forte em chá e café, enquanto que importamos maquinários, alimentos, equipamentos de transporte e petróleo (e seus derivados).

O lago Nakuru, habitat natural de flamingos, é um dos pontos turísticos mais importantes, próximo a capital Nairóbi.

O principal problema econômico do Quênia hoje é o alto índice de desemprego, sendo que metade da população economicamente ativa se encontra desempregada, enquanto que mais da metade dos quenianos empregados recebe salários baixíssimos (de oitenta a cem dólares, ou quase duzentos e setenta reais). Outro problema sério que enfrentamos é alta corrupção, sonegação de impostos pela classe economicamente alta (enquanto que os verdadeiros encargos pesam no bolso dos mais pobres, isto é, a maioria do país) e desvio de verbas públicas, principalmente nos investimentos ligados ao transporte e infra-estrutura viária.
Cultura do Quênia
A língua oficial do Quênia é o inglês, mas fora das salas de aula, o idioma dominante é o Swahili, uma junção do árabe com a língua dos bantus. O Swahili é tão importante que é utilizado em vários países do leste africano, como Uganda, Tanzânia, norte do Moçambique e sul da Somália (o que facilita inclusive os negócios entre tais países). Por esta abrangência de domínio da língua Swahili, dá para se perceber o quanto que a língua inglesa é uma imposição da cultura branca. Cada tribo tem seu próprio dialeto como característica de sua cultura regional, o que faz do Quênia uma nação com mais de cinqüenta dialetos.

Em Quénia, os jovens do sexo masculino passam por um ritual de aceitação para a fase adulta. Este processo varia de tribo para tribo, mas acredito que o caso mais interessante é o da tribo Maasai (de etnia Kalenjin), uma das mais tradicionais que ainda mantém suas raízes fortemente: o jovem maasai para ser aceito como adulto deve combater um leão até a morte utilizando apenas uma espada, sem qualquer tipo de escudo, muito menos armas de fogo. Já a maioria das tribos, como os Kikuyus, por exemplo, utiliza-se de rituais mais simples, como a circuncisão. As garotas também tinham seu processo de iniciação da fase adulta, que consistia na amputação do clítoris para restringir a vontade e o prazer sexual após o casamento, mas hoje em dia esta prática está em desuso, devido aos princípios de direitos humanos em questões de gênero serem mais discutidos, mesmo nas tribos mais isoladas.

A religião é variada e rica: Nas tribos mais tradicionais, ainda se tem a religião politeísta relacionada com a natureza, isto é, deuses da chuva, da seca, do Sol, da terra, da água, etc; Por outro lado, a colonização trouxe o cristianismo presente no catolicismo, protestantismo e até o satanismo. O casamento, tanto nas cidades grandes como nas tribos mais remotas, funciona da mesma maneira: é tradicional a poligamia, isto é, um homem pode ter várias esposas, assim como uma mulher pode ter vários maridos. No Quênia, ao se acertar o casamento, o chefe de família - aquele (ou aquela) que terá vários cônjugues - é quem oferece o dote ao sogro.
Em cada região do interior, cada tribo ensina a suas crianças seu folclore, suas lendas e tradições, logo, pela grande quantidade de tribos, torna-se impossível listar aqui cada um dos folclores tradicionais. Nas escolas das grandes cidades quenianas, como são presentes várias tribos e etnias, não se ensina as peculiaridades de cada uma, mas a cultura do branco britânico (que ficou como herança da colonização). O que vejo como desvantagem, pois assim a cultura tradicional vai se perdendo e as futuras gerações vão pouco se importar para a verdadeira história de seu povo.
A culinária é tão rica quanto o folclore, tendo sua variação tão numerosa quanto nossas tribos. Dependendo dos produtos alimentícios mais representativos de cada região, a alimentação será mais influente neste aspecto. Por exemplo, ao norte do país, por causa da região árida, a caça é muito praticada, assim sua alimentação é rica em carne. Ao sul, por existir uma grande produção de caju, a castanha deste fruto é a base de muitos alimentos. Em grandes cidades, come-se de acordo com o dinheiro que se possui. Como a carne de frango é muito cara, a alimentação mais barata tem por base carne bovina e arroz.

No esporte, com exceção do basquete (praticado não profissionalmente) não temos a tradição de esportes coletivos (como o futebol): O Quênia mostra sua força através dos esportes individuais, como o atletismo, onde os Kalenjins são grandes representantes, principalmente entre os velocistas. Outros esportes muito praticados são o rugby e o cricket. Os jogos mais tradicionais são o xadrez, o scrabble (jogo de palavras cruzadas), jogos de dados e o monopoly (tipo de “jogo da vida”).

Na arte queniana, não se tem o costume de valorizar um artista em particular: a produção fica, assim, coletiva. E, da mesma maneira que a culinária e os dialetos, cada tribo tem sua cultura característica, o que faz do Quênia uma nação artisticamente muito variada. Nas cidades grandes, a globalização altera a arte, de maneira que os expoentes estrangeiros são muito mais influentes que os quenianos. Antigamente a maior tendência era a britânica, mas hoje surge um surto de influências japonesas de grande importância.
Na arte queniana, é notável a característica coletiva acima de nomes individuais de artistas.

Desta maneira, este queniano ressalta o valor de seu país, pois segundo o mesmo se não acharmos uma identidade forte que dê orgulho ao nosso povo, podemos sofrer um etnocídio perante uma globalização tida como positiva, mas que realmente não é neutra, muito menos boa – ou se tem cuidado ao se inserir no processo global, ou perderemos nossas raízes em pouquíssimo tempo.

Fonte: cdcc.sc.usp.br

4 comentários:

  1. Africano na diáspora...18 de novembro de 2009 às 21:30

    Obrigado, informação importante sobre Mau Mau, levanta es jovens interesse pa conxé mas ses storia e ses cabeças... BLESS

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  2. Estamos abertos a sugestões, perguntas e contribuições com temas que poderão ser na língua que preferir.

    Agradecemos a contribuição.

    Muitas bênçãos.

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  3. cadê a parte da dança ?

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  4. Cordiais Saudações,

    Dê seu contributo ofertando-nos informações sobre a dança no Quênia.

    Bênçãos.

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