segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Oficialização do Crioulo: Língua Materna CaboVerdiana.

Porque sim?

Devido à nossa identidade cultural. Para salvaguardar os nossos valores – morais, sociais, estéticos, económicos, teóricos, técnicos, espirituais –, restaurar a nossa língua materna (cultura) e preservar a nossa identidade ameaçada.

Por isso também organizou-se toda a resistência africana (1) e emprenderam-se as lutas de libertação africana (2). Mais abaixo citaremos, resumidamente, alguns princípios da resistência cultural defendida por Amílcar Cabral ao Partido Africano de Independência de Guiné e Cabo Verde (P.A.I.G.C), especialmente os referentes ao crioulo.

Manuel veiga, actual Ministro da Cultura de Cabo Verde, assinala na sua obra “Diskrison Strutural di lingua kabuverdianu” (a 1ª descrição estrutural do Crioulo de Cabo Verde), que o Colóquio sobre “a problemática do estudo e da utilização do crioulo” foi um passo decisivo, após à independência, para o estudo e valorização da nossa língua materna, o crioulo, que muito tempo sofreu a injustiça de ser considerado um simples dialecto do português. Veiga ainda profetiza que as gerações vindouras falarão uma língua diferente da hoje utilizada, que é de base da variante santiaguense. E que justifica estabelecer a variante de Santiago como elemento de referência para o estudo do crioulo pela sua maior dimensão sócio-cultural e maior número de população.

Nesta mesma obra, Dulce Almada Duarte, prefaciando-a, patenteia que o crioulo (caboverdiano) é uma língua independente e não dialecto, um mero modo de comunicação de povos incultos e incivilizados ou resultado da incapacidade de povos atrasados assimilarem correctamente uma língua de cultura e de civilização, como fizeram-nos (e fazem) acreditar e sentir.

Governos africanos, numa conferência intergovernamental realizada na Gana, qual será referida abaixo mais exaustivamente, concluiram que a política colonial não conseguiu entender que as línguas africanas eram “verdadeiras” línguas, ou seja, veículos do saber e da cultura. Eram consideradas por eles, colonizadores, línguas “primitivas”, incapazes de expressar o pensamento científico.

O referido estudo de descrição estrutural do Crioulo também revela que o crioulo não é dialecto da língua portuguesa, nem em relação a nenhuma língua. Mas uma língua de estrutura diferente da do português. Afirmação que discordo parcialmente, apesar de não ser linguista, filólogo, escritor, professor, antropólogo. Realmente o crioulo é uma língua (anteriormente considerada estritamente oral) simplesmente por ser uma linguagem de um povo, o caboverdiano, mas discordo que tenha uma estrutura diferente do português. Por exemplo, qual português ao ler o título da obra supra, escrito em crioulo, que não o entenderá. Qualquer povo que expressa em português o compreenderá pela semelhança estrutural do Crioulo com a língua portuguesa.
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O crioulo em qualquer parte do mundo, sempre foi uma miscilânea, assim como a dança, gastronomia, música, povo. Uma mistura da presença do colonizador e colonizado nestas ilhas. Realmente o crioulo é a língua materna de um povo de origem colonial, descendente da escravatura. Não um dialecto português falado na América e em alguns pontos da África, nomeadamente Cabo Verde, mas o cruzamento entre a estrutura da língua portuguesa, espanhola, francesa, inglesa e a de Kswahili, Yoruba, Wolof, serere, diola, mandinga (se falassemos todas estás línguas? imaginem quantas línguas conhecíamos!).

Segundo estudos linguísticos, na linguagem caboverdiana há, e denota-se, uma maior incidência da língua portuguesa do que das africanas. Entretanto, nos outros aspectos do nosso povo, verifica-se uma maior presença africana, o que levou Amílcar Cabral a afirmar que “a cultura do povo de Cabo Verde é africaníssima”.
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É significativo que a busca da liberdade tenha coincidido com a busca da identidade cultural. Por isso Cabral recomendou o estudo da escrita Crioulo e Manuel Veiga, pós independência, advertiu da necessidade de todos contribuir-mos para criar as bases de introdução do crioulo em todas as esferas do saber, escolas, administração pública, mass-média, reuniões, encontros, declarações e discursos oficiais, desenvolvendo-se sobre os legados de Amílcar Cabral.

Cabral, no livro “P.A.I.G.C. Unidade e Luta”, manifesta, assim como todos os outros nossos estimados líderes africanos, a importância e necessidade da independência cultural para a efectiva independência política e liberdade.
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Cabral, numa tentativa de ensinar aos militantes o concepto de Unidade e de luta, diz-nos na referida obra que no caso de Guiné e Cabo Verde, a luta era (ainda é): “os colonialistas portugueses ocuparam a nossa terra, como estrangeiros e, como ocupantes, exerceram uma força que fez com que eles tomassem o nosso destino nas suas mãos, fez com que parassem a nossa história para ficarmos ligados à história de Portugal, como se fossemos a carroça do comboio de Portugal. E criaram uma série de condiçoes dentro da nossa terra: económicas, sociais, culturais, etc.

Para isso, eles tiveram que vencer uma força. Durante quase 50 anos fizeram uma guerra colonial contra o nosso povo; guerra contra manjacos, contra papéis, contra fulas, contra mandingas, beafadas, balantas, contra felupes, wolofes. (...). Resolveram fazer de Cabo Verde (na epóca deserto) um armazém de escravos. Gente levada de África foi colocada em Cabo Verde, como escravo. Tiveram de deixar de fazer o negócio de escravos, passaram então a exercer uma força colonial. Sempre houve resistência a essa força colonial, que age contra”.

Inicialmente porque não podíamos enfrentar o “tuga” cara a cara, “tínhamos que o enganar”, apesar das energias gastas pela miséria, sofrimento, morte, doenças, desgraças, atrasos.

Cabral alerta para aquela realidade em que os descendentes de guineenses ou de caboverdianos que pertencem a elite, o seu único interesse era (ainda é) agarrar aos tugas, fingindo ser portugueses, até proíbem os filhos de falar outra língua que não seja o português.

Em que “o colonialismo meteu-nos muitas coisas na cabeça”. E que “o nosso trabalho deve ser tirar aquilo que não presta e deixar aquilo que é bom”.
A resistência cultural proposta por Amílcar Cabral era: “enquanto liquidamos a cultura colonial e os aspectos negativos da nossa própria cultura no nosso espírito, no nosso meio, temos que criar uma cultura nova, baseada nas nossas tradições também, mas respeitando tudo quanto o mundo tem hoje de conquista para servir o homem”. Sabemos que muitos discordaram (ainda discordam e discordarão) deste ponto de vista de Cabral, manifestação da sua noção de Unidade que ele considera o primeiro acto de cultura que devemos fazer na nossa terra.

Para Cabral, “o português (língua) é uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram. É a única coisa que podemos agradecer ao tuga, ao facto de ele nos ter deixado a sua língua, depois de ter roubado tanto na nossa terra.”
Entretanto, cumpre ressaltar que nenhum momento Cabral incentiva a secundarização de nossa língua materna, como querem que assim se entenda uma parcela da elite política e intelectual cabo-verdiana. Cabral apenas estava convicto que antes era preciso um estudo aprofundado do Crioulo e das suas regras de fonética. Estudo que foi posteriormente, logo quatro anos após independência, empreendido, como evidenciado acima.

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Das Conclusões da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais na África(*), considerou-se que, a luta pela independência nacional não foi (nem será) apenas uma reinvidicação política, territorial, mas também uma reinvidicação cultural, “uma contestação às pretensões do colonizador de tomar sua própria civilização como modelo universal”.

Considerando, ainda, que a África não era uma página em branco antes da invasão colonial; mas havia produzido conhecimento e técnicas, além de obras de grande valor na arquitectura, escultura, música, dança, poesia e literatura oral, tecnologia, matemática, física, astrologia, entre outros.

Que “a imitação dos modos de vida estrangeiros acaba destruindo o ambiente necessário ao renascimento e desenvolvimento das culturas africanas, despojando-as de seu significado social, espiritual e económico. A história social e cultural africana e de suas relações com o Ocidente demonstra a inconsistência da teoria da interpenetração cultural, ou seja, de uma fecundação recíproca e positiva das diversas sociedades.

A atitude de abertura para o resto do mundo não deve significar a adopção indiscriminada de uma modernidade que afasta cada povo de seu passado e o faz perder a personalidade, nem a imitação de modelos de crescimento, pois se a África pretende desenvolver, ela também pretende preservar sua personalidade.

Para que o desenvolvimento não signifique repúdio ao passado e não conduza a novas formas de alienação, deve-se favorecer o florescimento dos mais autênticos valores culturais, principalmente as línguas nacionais.

Todo o renascimento cultural na África, e também a preservação da autenticidade cultural, exige necessariamente a promoção das línguas nacionais.

Hoje, a nível continental, procura-se revalorizar as línguas africanas, visando proporcionar através delas o acesso da maioria aos conhecimentos mais modernos. Pois, somente a exacta compreensão do papel fundamental das línguas originais nos processos psicológicos, cognitivos e sociais permitirá reduzir as resistências de todo tipo que se opõem à utilização dessas línguas no ensino e na formação.

É preciso, portanto, rever totalmente os sistemas educacionais herdados do passado e transformá-los para que correspondam à realidade sócio-cultural africana, demandem a participação activa da comunidade e satisfaçam às necessidades e às aspirações da maioria”.

*(Resumo do Resumo das Conclusões da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais na África que foi adaptado a um outro documento da Unesco, Problemas e Perspectivas, relativo à Conferência realizada em Acra (Gana), em 1975).
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E porque não? Perguntamos àquela parte do Parlamento Caboverdiano que diz “Não”.

Responderão-nos, alguns, que é preciso criar-se previamente as condições? Que condições meus/minhas senhores(as) estás vós a referir-se? Que condições?

O estudo da escrita sugerido por Amílcar cabral foi materializado. Talvez parcialmente porque optou-se pela escrita fonética-fonológica, de base latina. Entretanto, esta escrita foi e é utilizada em Cabo Verde e na diáspora por vários poetas, compositores, escritores, universidades, institutos, desde Março de 1979.

A 16 Março de 2009, o Alfabeto Unificado para a Escrita da Língua Caboverdiana (ALUPEC), já muito utilizada na literatura, foi instituído como Alfabeto Cabo-verdiano. Teses sustentaram que a língua caboverdiana é oficializável.

Até hoje fazem-se acordos ortográficos de línguas, e com a caboverdiana não será diferente.

Porque não à oficialização do crioulo?

1. Bairrismo? 2. Politiquice? OU 2. Somente a fim de perpetuarem, o discurso colonial de que a língua do colonizado (caboverdiano) não poderia ser “nem a língua da Administração, nem a língua da Escola, nem a língua da Justiça” por inculta e incivilizada.
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“a capacidade de renovação do desenvolvimento socioeconómico deriva da dinâmica do desenvolvimento cultural”.

“o conflito da língua degenera em conflito de identidade cultural”.
Por Ababa Abenaa.

1 comentário:

  1. Telefonaram-me a manifestar opinião contrária a este artigo por entenderem que é preciso antes da oficialização do Crioulo, língua materna caboverdiana, criar-se algumas condições. Condições estas que até ora não se consegue mencionar. O bairrismo, politice, preconceito e outros, não podem continuar a atrasar a apropriação oficial dos caboverdianos deste "património nacional e cultural". Dizem os doutores em letras que o crioulo é oficiável, mais, ainda, os panafricanos que a oficialização é necessária simplesmente pelo valor cultural identitário. Nada tenho mais a dizer.

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