domingo, 22 de fevereiro de 2009

Carne-Vale

1. Antes “alvo de muita repressão de quem não tolerava a subversão de um mundo virado do avesso”, agora uma festa, oficial, celebrado por todos, no mundo inteiro. Contudo poucos lhe conhecem o significado e a origem.

I. Alguns significados

2. Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa, Melhoramentos, o Carnaval é “o período de três dias que precede a quarta-feira de cinzas”, sendo este o primeiro dia da Quaresma, aquele que o padre faz uma cruz na fonte de fiéis com a cinza dos ramos bentos. Fixa ainda que o Carnaval é “festejos que se realizam durante esses dias, iniciando-se no sábado imediatamente anterior”;

3. Concomitantemente, o Dicionário Prático Ilustrado, Lello, assevera que é a “época imediatamente anterior à Quaresma”, o período de abstinência de quarenta dias para os Católicos, entre a quarta-feira de cinzas e o domingo de Páscoa. O “tempo de folia que precede a Quarta-Feira de Cinzas. Entrudo”. E, ainda, “folguedo, orgia”.

4. O carnaval é considerado a ocasião oportuna para “a transgressão, o corpo, o prazer, a carne, a festa, a dança, a música, a arte, a celebração, a inversão de papéis, as cores e a alegria”.

II. Origem

5. A origem das primeiras festas carnavalescas ainda é motivo de polémica, “pois a sua memória vem do inconsciente colectivo dos povos”;

6. Provalmente, a comemoração do Carnaval tem as suas raízes nalguma festa antiga realizada pelos povos originais “em honra do ressurgimento da primavera”;

7. “A folia ter-se-á iniciado como uma espécie de culto feito para louvar uma boa colheita agrária,onde as pessoas, mascaradas, dançavam e bebiam. As pessoas, no momento da festa, afastavam as suas preocupações,e saudavam o que lhes parecia um bem com danças e cânticos para espantar as forças negativas que prejudicavam a fertilidade”. Consiste em “danças e cânticos em torno de fogueiras, incorporando-se aos festejos, máscaras e adereços”;

8. Nesta perspectiva, alguns autores acreditam que o Carnaval “tenha-se iniciado nas alegres festas do antigo Egipto, nomeadamente nos festejos associados ao culto da Deusa Ísis, desde o ano 2000 a.C.”, que possuía títulos, como a água frutificativa, a Rainha da abundância e a fonte de prosperidade, entre muitos outros, todos ligados a agricultura. A festa era “dança e cantoria em volta de fogueiras. Os foliões usavam máscaras e disfarces simbolizando a inexistência de classes sociais”.

9. Consequentemente, surge na Antiga Grécia, nos cultos agrários, de 605 a 527 a.C. “Com o surgimento da agricultura, as pessoas passaram a comemorar a fertilidade e produtividade do solo. Estava associado a “cultos ao Deus Dionísio”, o deus ressurrecto dos gregos, bem como o Deus Osíris (Egipto), o primeiro da longa linha de Deuses Ressurrectos;

10. Consta que as primeiras seguidoras do deus Dionísio foram “mulheres que viram nos dias que lhe eram dedicados um momento para escaparem da vigilância dos maridos, dos pais e dos irmãos, para poderem cair na folia "em meio a danças furiosas e gritos de júbilo";

11. Nos dias permitidos, as mulheres, chamadas de coribantes ou sacerdotes da Deusa Cíbele, saíam aos bandos, com o rosto coberto de pó e com vestes transformadas ou rasgadas, cantando e gritando pelas montanhas gregas. Os homens, transfigurados em silenos (Deus da mitologia greco-romana, companheiro de Baco) e sátiros (Semideus dos pagãos), não demoraram em aderir às procissões de mulheres e ao "frenesi dionisíaco";

12. A festança que se estendia por três dias, encerrava-se com uma bebedeira colectiva no meio de um «vale-tudo» pan-sexualista. O miserável vestia-se de rei, o ricaço de pobretão, o libertino aparece como guia religioso, e a rameira local posava como a mais pura donzela, machos reconhecidos vestem-se como fêmeas, e assim por diante;

13. Dionísio brincalhão, irreverente e debochado, estimulava que virassem o mundo de cabeça para baixo.

14. Depois na Roma, “os festejos eram de tal importância que tribunais e escolas fechavam as portas durante o evento, escravos era malforriados e as pessoas saíam às ruas para dançar. Corridas de cavalo, desfiles de carros alegóricos, brigas de papelinhos,corridas de corcundas, lançamentos de ovos e outros divertimentos generalizavam a euforia. Na abertura dessas festas ao Deus Saturno (Deus das Sementeiras), carros com aparência de navios surgiam na "avenida", com homens e mulheres nus. Estes eram chamados os carrum navalis, para muitos a origem da expressão «carnevale».

15. O Carnaval Pagão da Grécia começa quando o tirano de Atenas, Pisistráto (cerca de 600-527 a. C.), oficializa o culto a Dionísio na Grécia, no século VII a.C. e termina, quando a Igreja Católica adopta a festa em 590 d.C;

16. A Igreja Católica, que considerava tais festejos mundanos, determinou que a folia deveria ser realizada dias antes do início da Quaresma. O Carnaval, que nunca foi bem visto pela Igreja Católica, ganharia, ao menos na teoria, algum significado.

17. Uma vez que a festa da semeadura tornou-se pagã e obscena, “a Igreja decidiu adoptar essas festas, transformando-as em libertárias na tentativa de domesticá-las. A solução foi determinar que todas as festas do género realizadas na época (século XV) fossem promovidas na véspera do início da Quaresma, como uma espécie de compensação para a abstinência que antecede a Páscoa";

18. Estava reduzido o Carnaval à celebração ordeira, de carácter artístico, com bailes e desfiles alegóricos;

19. Originariamente os cristãos começavam as comemorações do Carnaval a 25 de Dezembro, compreendendo os festejos do Natal, do Ano Novo e de Reis, onde predominavam os jogos e os disfarces;

20. O Carnaval fixou-se nas cidades de Nice, Roma e Veneza e passou a irradiar para o mundo inteiro o modelo de Carnaval que ainda hoje identifica esta festa com mascarados, fantasiados e desfiles de carros alegóricos.

21. A festa chegou em Portugal nos séculos XV e XVI, recebendo o nome de Entrudo - isto é, introdução à Quaresma – através de uma brincadeira agressiva e pesada. Tinha característica essencialmente gastronómica e era marcado por um divertimento com alguma violência por isso a festa foi perdendo a sua alegria.

22. Em finais do séc. XIX, nas aldeias portuguesas, o Entrudo era um momento de transgressão calendarizada e aceite por todos. Na cidade, o Carnaval transformou-se numa forma de "luta de classes”. Os exageros do Carnaval urbano foram regulamentados e domesticaram-se os festejos, com a criação dos desfiles (Ramos, 1994: 81-82).

23. Foi exactamente esse Entrudo violento que foi inicialmente importado para o Brasil. O Carnaval brasileiro surge em 1723, com a chegada de portugueses das Ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde. A principal diversão dos foliões era atirar água uns aos outros. Em 1855 surgiram os primeiros grandes clubes carnavalescos, precursores das actuais escolas de samba;

24. Portanto, o Carnaval não é, como muitos pensam, brasileiro. Não obstante, foi no Brasil que ganhou a maior dimensão no mundo e tornou-se, além de uma festa popular, um produto de exportação que atrai em cada início de ano milhares de turistas para o Brasil.

III. Em Cabo Verde

25. Constatou-se, nos anos anteriores, a utilização por parte de alguns foliões, de objectos cortantes, nomeadamente, catanas, facas e paus com pregos, bem como, de trajes e cartazes que apelam à obscenidade durante os desfiles carnavalescos. Por isso as Câmaras municipais apelam aos munícipes para evitarem o uso de armas brancas e de trajes e cartazes com dizeres obscenos;

26. Como previsto no orçamento para 2009, a Câmara Municipal de São Vicente atribuiu 7 mil contos ao carnaval deste ano, destinados a subsidiar os grupos participantes, aos prémios e à preparação e logística do desfile de terça-feira. A cada um dos grupos oficiais, Montessossego, Fonte -Felipe em Acção, Flores do Mindelo, Maravilhas do Mindelo e Cruzeiros do Norte, cabe uma fatia 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) da qual já receberam a 1ª tranche, no valor de 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos). O restante será entregue após a visita da comissão organizadora aos estaleiros e aos locais de ensaio. O subsídio a ser atribuído aos grupos de animação ainda está por definir, já que as inscrições ainda se encontram abertas e vai, assim, depender do número de inscritos.

27. A Câmara Municipal da Praia disponibiliza 600 mil escudos para galardoar três dos cinco blocos carnavalescos oficiais inscritos para o desfile, de terça-feira, de Carnaval na Avenida Cidade de Lisboa. Bloco Afro Abel Djassi (vencedor do concurso de 2008); Vindos d’África, do Bairro Craveiro Lopes; Estrelas de São Filipe; Grupo Sem Vergonha, de Achada Grande e Grupo Inter Ilhas são os grupos oficiais que concorrem aos prémios carnavalescos de 300, 200 e 100 mil escudos, para os três primeiros classificados. Foi atribuida uma quantia financeira de 250 mil escudos disponibilizados pela autarquia a cada grupo sénior; 100 mil escudos aos de animação; 120 mil para cada uma das escolas do EBI e 75 mil para cada jardim infantil.

28. Conforme o gabinete do Secretário de Estado da Administração Pública, em todas as ilhas, com excepção de S. Vicente, é concedida tolerância de ponto no dia 24 de Fevereiro – Dia do Carnaval, no 2º período e durante todo o dia 25, Dia de Cinzas. Na Ilha de São Vicente, o Executivo concedeu tolerância de ponto na terça-feira, 24, durante todo o dia e quarta-feira, 25, durante o primeiro período do dia.

Abeba

2 comentários:

  1. Importante Matéria “Carne-Vale”. Útil referência
    Histórica para uma educação afrocentrada.
    No Brasil o carnaval é uma cultura muito forte,mas que infelizmente é influenciado pela industria do álcool e da prostituição infantil. Mesmo assim o carnaval ainda resiste em diversos Estados de forma limpa, como cultura popular .

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  2. De facto o Carnaval é de origem animista. Os povos originais celebravam a primavera, a agricultura, a colheita, o ressurgimento ou renascer. Por isso de essencial relevância histórica e cultural.

    Importante que conheçamos as nossas origens, para afirmar-mos o presente e melhor de forma consciente o futuro.

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