Por Kati*Éwa Ireti
As mulheres Negras tiveram uma experiência histórica diferenciada que o olhar míope e clássico do racismo não reconhece, bem como as opressões sofridas por essas mesmas mulheres passam sem grandes atenções, o que caracteriza situações de exploração, que acaba por influenciar nas construções da identidade feminina negra.
A figura do ser negra no contexto diásporico aparece a partir de uma movimentação política existente desde processo de escravidão. No entanto a situação dessas mulheres é silenciada por esse mesmo processo que as não identifica como sujeito de ação. As mulheres negras representaram no contexto histórico as mentoras de lutas de sobrevivência, sobre tudo as sua, em um cenário onde viver sem possíveis agressões tanto físicas como mentais não nos era permitido.
Em torno de nossa figura, criou-se o mito da super preta, onde o papel de fragilidades era inexistentes, esses por sua vez destinados as moças de pele rosadas denominadas: Sinhás.
Longe de fragilidade, as mulheres negras Africanas na diáspora usavam desta suposta força como estratégias de poder para sobreviverem, transformar a fraqueza (ou fragilidade percebida) feminina em força é quase um rito de passagem para as mulheres Africanas na história.
Audre Lorde Ativista do movimento negro americano (1934-1992) analisa em seu texto incluído na coletânea de Mari Evans (1984, p261) ,que se a fraqueza da mulher Negra de fato existe, é apenas para manifestar sua força. Se a mulher negra Africana atribuir à fraqueza mais substancial do que isso, significa que ela sucumbiu ao medo – que não seria impedimento para trabalhos maiores.
Neste contexto as mulheres negras sobreviveram às opressões sofridas criadas pelo racismo como forma de política de manter seus direitos garantidos.
No entanto a visão criada sobre nós mulheres negras não foge muito de olhar estereotipado, o que mudou foi à forma de sermos vistas, ontem mucamas, a serviços de frágeis sinhás e senhores de engenho, hoje domésticas de mulheres liberais e dondocas ou a eterna imagem de mulatas boas de samba.
Com o inicio das ações políticas feministas, as mulheres negras percebam que sua luta partia de necessidades e processos diferenciados, a busca de emancipação baseado em uma vivência branca, não nos fazia sentido.
Enquanto as mulheres brancas buscavam direitos de evitar filhos, as mulheres negras reivindicavam o direito de tê-los, criá-los e vê-los vivos até a velhice – Como nos ilustra Jurema Werneck em sua passagem no texto A face Negra do Feminismo no Livro Saúde das Mulheres Negras.
Outro ponto identificado e não menos importante era o direito de trabalhar, e serem reconhecidas nos espaços de trabalho, para nós que trabalhávamos há mais de 500 anos em mão de obra escrava e sem escolha de patrão e horas extras de estupros recorrentes, servia apenas a bandeira da luta por direitos trabalhistas.
A importância dessas questões para as populações vistas como descartáveis, como a população negra e sobretudo as mulheres negras, impulsionou um olhar negro sobre o feminismo, longe dessa esfera eurocêntrica na qual não nos contemplava.
A luta de Lélia Gonzáles e Beatriz Nascimento na construção de um novo olhar para esse feminismo e de tantas outras mulheres brilhantes pretas, cria a possibilidade das mulheres negras reafirmarem uma luta histórica de mais de 500 anos de resistência.
Nas diversas formas de interpretar o feminismo, olho com mais atenção a uma forma de construir políticas para as mulheres negras em um paradigma onde a população negra possa andar em conjunto, falo do mulherismo africano, uma articulação feminina totalmente distinta do feminismo branco e de alguns olhares viciados desse mesmo feminismo, muitas vezes vivenciado por nós mulheres negras. Um olhar voltado unicamente pra as interpretações africanas, criado para alcançar todas as mulheres negras em África e Diáspora, baseada em uma vivencia diária em saberes africanos.
Katherine Bankole no seu texto Mulheres Africanas nos estados Unidos - Publicado no livro Afrocentricidades da coleção Sankofa, Volume 4, de 2009 - Apresenta uma olhar mais atenta sobre essa forma de vivenciar o ser mulher negra, faz uma importante analise emergente de como se construir um olhar de feminilidade Africana, criticando esse olhar de feminista apenas em uma construção de gênero.
Vivenciar essa forma de feminilidade é mais próximo de África que podemos chegar, criando regras de avaliação de suas feminilidades, o que na verdade há muito já são vividas por nós mulheres Africanas e Afro-Diásporicas. Embora mulheres negras e brancas se aproximem no diálogo de feminilidade a vivência de mulheres negras não passa pela aprovação ou deliberação de um patriarcalismo branco, essa dependência se torna inexistente, assim como a auto afirmação de uma feminilidade distorcida.
Em um olhar enegrecido sobre as óticas feministas mulheres pretas e homens pretos lutam de uma forma igual à eliminação desta doença eurocêntrica chamada sexismo.
No entanto eliminar essa patologia enraizada é um ponto chave para construção de esse olhar negro. Como nos ilustra mais uma vez Jurema Werneck :
A luta pela emancipação da mulher negra não tem por finalidade apenas formar mulheres seguras, capazes e brilhantes, que visem com isto adquirir privilégios individuais. Essas conquistas são como veículos para gerar transformações na vida da população negra (Extraído do texto A face Negra do Feminismo – Livro A saúde das mulheres Negras).
O papel das mulheres negras na diáspora perpassa pela luta histórica construído por essas mesmas mulheres, vinculado a um berço africano enraizado em nossas vivências diárias de luta e permanência de um saber africano, a possibilidade de uma modelo civilizatória com base nos valores anti-racistas, afrocentrados, vivenciados pela população negra em sua esfera mundial, torna a luta de nós mulheres negras um alicerce para construção de um novo devir... Um devir Negro!
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BIBLIOGRAFIA:
BANKOLE. Katherine. “Mulheres Negras nos Estados Unidos”, Livro: Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. Elisa Larkin Nascimento (org.). São Paulo: Selo Negro,2009. (Sankofa : Matrizes Africanas da cultura brasileira; 4).
CARNEIRO. Sueli. Enegrecer o Feminismo. Artigo Apresentado no Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero, organizado por Lolapress em Durban, África do Sul, em 27 – 28 de agosto 2001. Publicado em espanhol na revista LOLA Press nº 16, novembro 2001
LEMOS. Rosália Oliveira. “A face Negra do Feminismo – Problemas e Perspectivas”, Livro: O livro da Saúde das Mulheres Negras: Nossos passos vêm de longe. Jurema Werneck (org.), Maisa Mendonça (org.), Evelyn C.White (org.). Maisa Mendonça (tradução), Marilena Agostini (tradução), Maria Cecília MacDowell dos Santos (tradução) – 2 ed. – Rio de Janeiro: Pallas /Criola, 2006.
Está agora e aqui uma boa oportunidade para conversar-mos, homens e mulheres, africanos, sobre a condição actual da Mulher Africana, a sua missão e impacto no Universo.
ResponderEliminarAgradecemos amada irmã Ireti todo o teu empenho, esforço, determinação e Nia (propósito) para realizar este artigo, que também nos propicia, mulheres africanas no Continente, as vivências e lutas das nossas sagradas irmãs, na Diáspora.
A Luta Continua.
Aproveitamos este mês e todo o ano (declarado pelas Nações Unidas ano internacional dos afrodescendentes), sem esquecer que o trabalho é diário e contínuo, para realizar acções de autonomia.
Umoja
Olá irmãos, Ubuntu!
ResponderEliminarEscrevi um texto sobre o mulherismo. Acho importante nos esforçarmos para alcançar as irmãs que estão começando a se questionar sobre a serventia do feminismo para nós mulheres pretas, se quiserem divulgar para que outras pretas tenham acesso, fiquem a vontade!
O mulherismo me mostrou um outro universo! Me sinto acolhida, é NÓS POR NÓS
https://www.facebook.com/notes/gabriela-vallim/pelo-fim-de-todas-as-ferramentas-de-genoc%C3%ADdio-do-povo-preto-a-reconstru%C3%A7%C3%A3o-se-da/804256132990238?notif_t=like
Um abraço bem apertado!
Pelo fim de todas as ferramentas de genocídio do povo preto! A reconstrução se dará por meio da comunidade.