domingo, 23 de novembro de 2008

Kindonga 3 de Fevereiro de 1926



Meio caminho não andaram: uma carta.

«Eu vos saúdo daqui de Kindonga, Sr. Bento Banha Cardoso, aonde de certeza vós não me achareis já. A mim e a minha Corte comigo. Estamos a caminho das terras altas deste nosso rico país, lá para as montanhas. Aí, sim, aí me achareis. Mas de arco e lança na mão, e lanças peçonhentas, pois continuaremos a peçonhar as nossas lanças, e com a pior espécie de peçonha que pode haver debaixo do céu. Rogo a v/fineza ide isso dizer ao que vos manda. Ao v/Governador, Sr. Fernão de Sousa. Ide dar-lhe este meu recado. E dizei-lhe também que o nome de Ana de Sousa que o outro me quis ofercer não pegou. Não podia pegar. O mesmo sucede com as minhas irmãs, a Kambo não quer o nome de Bárbara, a Fuxi manda dizer que seu nome é mesmo Fuxi. Que ide aplicando o nome de Engrácia às vossas filhas que is parindo, vós outros. Mau grado os esforços todos meus para uma possível conciliação entre vós e nós, entre as vossas coisas e as nossas.»

A um outro passo:

«Mas gostaria eu de vos perguntar se já vos capacitastes todos de que estais a bater-vos por uma razão de que nunca saireis vitoriosos. Talvez seja melhor lembrar-vos de que os filhos de meu pai não desistirão jamais de combater, hemos todos de lhe seguir o exemplo. A todo o custo defenderemos a Independência e Liberdade da terra dos nossos peis e avós. A sua história, os seus usos e costumes, os lugares que guardam os ossos dos nossos avós. O fogo dos nossos pais. Os filhos, as mulheres, os servos, os bens. As nossas montanhas, os nossos vales, as nossas campinas, as nossas matas. As árvores, as mulembas, os rios. A nossa terra. Que adoramos de toda e receiamos que venha a transformar para a vossa corrupta maneira de ser, sabido que vencedores não nos saireis. Mesmo com um filho do nosso pai a ajudar-vos, comboiando alguns bons dos nossos, hemos de vos defrontar. Armas não nos faltarão, e povos haverá neste mundo capaz de acudir a um apelo nosso, para vos correr com ferro e fogo. Já que a bem não quereis ir-vos daqui, e tão-pouco quereis portar-vos tal qual um hóspede se deve portar em casa alheia, ou um amigo em casa amiga. O meu povo não quer cá na sua terra gente dessa natureza.»

Por fim:

«Juro-vos um ódio de morte a vós todos. Ao v/Governador, à v/raça, à v/Igreja. Aos v/Padres que trazem muito a Deus na boca, com a malvadez no coração. Blasfemos! Feiteceiros! A arrogãncia está a ensinar-me que outro caminho não hemos nós de seguir que este: ferro e fogo.«Termino desejando-vos a mais perfeita saúde, sr. Bento Banha Cardoso, para ainda nos avistarmos um dia.»

3 comentários:

  1. É com muito orgulho que visitei o vosso bloge gostei muito, por terem feito muito pelas nossas crianças de Achadina que virão os seus tempos livres preenchidos de coisas belas aprenderam com fazer e saber fazer c/ produtos reciclados serviu-lhes tb para saber comportar diante po ex: diante de uma garrafa vazia que dantes era lixo mais agora representa outra coisa , queria parabenizar o grupo por essa niciativa fãntastico e que nâo ficama por aqui vocês são capazes e podem contar com a minha colaboração,por serem os membros desse grupo meus amigos um beijão

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  2. “Não triunfem sobre nós os nossos inimigos, filhos da Pátria! Coragem! Tende bom ânimo! Vamos! Com força!”

    Mas é a própria Ngola que vai lhes ficar à frente do combate. Aí ela vem a descer as quebradas de arco e lanças na mão, sem os panos já, apenas de jihondo, com uns corpetes também em franjas de fibras de imbondeiro a lhe vestir os peitos. Entesa o arco, larga... lá vai a sua lança de mistura com a quantidade de lanças a cair por sobre os contrários parecendo chuva de pedras. Vergados se vêem os galhos do arvoredo das cumeadas com o peso de outras unidades de combate que acabam de chegar. A guarda de trás. Romperam uma linha inimiga e entestaram com uma horda que abria caminhos para atingir o alto da montanha aonde se tinha o Fundu da Rainha-Mãe. am de chegar.

    Manda Nzinga Mbandi Ngola a alguns dos seus a lançar mãos das poucas armas de fogo que dispõem, e os contrários vacilam. A eles se atiram furiosos os rapazes em força. E de um momento para o outro se apaga o fogo estrangeiro. Esperam um instante os da parte da filha de Ngola Kiluanji. Outro instante... nada! Nem mais um tiro, até demanhã.

    Correu o tempo, correram os anos. Anos de guerra. De permanentes campanhas, sem descanso, com altos e baixos, vitórias e perdas, avanços e recuos – e muitos e muitos filhos da Pátria a dizerem já que sim, que a neta de Ngola Ndambi tinha a sua razão, fazia bem em não se desviar dos caminhos trilhados por seu mais-velho, ele Ngola Mbandi. Os caminhos que lhe recomendara muito seguir seu pai. Que mais valia a morte de arco e lança na mão, sim senhor, que a vida, mesmo de mil anos, servindo. A vida de escravo.

    Embora de tudo, filhos da terra perdiam a noção dos valores e dignidade de homem e tocam a negociar os sobrinhos, os filhos, os irmãos, e a Pátria – gozando em delírio com os senhores que apareciam às praias do mar a comprar pessoas, tanto que para o interior já eles não queriam ir mais.

    Os holandeses aos Portugueses – Que vindes vós trazer de civilização a estes povos, que eles não têm?... religião? Moral? Normas de conduta? É tudo soberba o que andais por aí dizendo, ou o que vos dizem. Sempre estes povos se guiaram por si mesmos. E com normas de conduta bem elaboradas, bem definidas, bem formalizadas. E sempre praticaram uma religião. Nunca se descurando dos são princípios de ordem e asseio. Ide ver a ordem nas suas fortificadas cidades, a limpeza, os cuidados que põem os lugares aonde buscam a água. O religioso respeito que guardam aos lugares onde sepultam os seus mortos. O respeito que se observa nas relações do dia-a-dia entre si. A abominação que nutrem à inveja, à cobiça, ao roubo, à prostituição, às obscenidades. Ide conhecer as suas praças. Ide ao Luango. Ide ao Dondo. Lindas praças, espaçosas, sem confusão, sem algazarra. Tudo em ordem, tudo belo, tudo asseio. Gente de bem todos eles. Transbordando em todos alegria, sorrindo felizes. São os estrangeiros que por lá aparecem os únicos de que se arrecear em matéria de roubos, em desacatos, e outras mais vilanias.

    O que fizeste vós não foi mais que criar uma simples disposição legislativa que elevou a Praça a Feira. Simples mudança de nome, de categoria. E a sujeição ao pagamento de impostos os seus donos. Fora os dizimos que os obrigais a pagar-vos.

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  3. Quero o dizimo, quero o dizimo, e quero dizimo! Mando e posso! - Dizeram os Portugueses.

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