terça-feira, 26 de janeiro de 2010

“A LUTA CONTINUA”

No dia 23 de janeiro de 1963, o Secretário Geral do PAIGC (Partido Africano Independente da Guiné e Cabo Verde), Amílcar Cabral, deu início a luta armada contra os colonizadores portugueses. Uma luta pela causa da Justiça e o Direito dos povos da Guiné-Bissau e das Ilhas de Cabo Verde, de governarem suas terras como homens livres, com liberdade de pensar, de criar e caminhar com dignidade enquanto africanos. Uma luta que deu continuidade à nossa história, que foi interrompida pelos imperialistas, de nos desenvolver como uma nação livre e autônoma, contruindo uma nova vida. Uma luta pela qual o objetivo essencial foi a realização das aspirações à liberdade, à paz, ao progresso e a justiça social dos povos africanos.

Hoje, 23 de janeiro de 2010, 47 anos depois do dia em que se iniciou a luta armada, ficam algumas questões de reflexão para os nossos irmãos e irmãs africanos analisarem e consignarem em si mesmo a verdadeira importância do que foi o movimento de libertação nacional do PAIGC e repensar as nossas ações afim de redefinir o rumo em que estamos levando o futuro dos nossos povos. Um futuro que, a meu ver, caminha para o sentido oposto da história da construção do nosso Estado Independente. Unidade, Trabalho e Progresso.

Será que Amílcar Cabral lutou em vão? Qual foi a importância de uma luta armada na nossa história? Como hoje vemos e encaramos esse fato (luta armada) com a realidade presente do nosso País e do nosso Continente Africano?

A luta armada foi uma reação, uma resposta à violência, à brutalidade da opressão colonial e neocolonial. Ela não abrange somente a integridade física e territorial como também, a integridade psíquica e intelectual. Foi uma combinação de teoria e prática revolucionária para defender o nosso povo de um domínio estrangeiro, uma forma dolorosa, mas eficaz de continuarmos com o progresso do nosso povo. Mas antes, de falar da luta armada do PAIGC, é importande relembrar o que foi a colonialização e o que é a neocolonialização para que entendamos as questões já mencionadas e quais são os seus efeitos sobre nós africanos hoje.

No que se refere aos efeitos da dominação imperialista sobre a estrutura social e o processo histórico dos nossos povos, convém averiguar em primeiro lugar quais as formas gerais de dominação, do imperialismo. Elas são pelo menos duas:
1)Dominação direta – por meio de um poder político integrado por agentes estrangeiros ao povo dominado (forças armadas, polícia, agentes da administração e colonos) – à qual se convencionou chamar colonialismo clássico ou colonialismo.
2)Dominação indireta – por meio dum poder político integrado na sua maioria ou na totalidade por agentes nativos – à qual se convencionou chamar de neocolonialismo.”
Arma da teoria, Amílcar Cabral, pag. 31 a 32.

A dominação direta, sabemos que perdurou no mínimo quatro séculos, ou seja, quatrocentos anos sob o comando da igreja católica alegando que os africanos são pagãos e que precisam ser salvos por eles, tendo como base uma ideologia diabólica, racista, cruel e desumana. Construíram o imperialismo com o sangue dos nossos ancestrais, destruíram a nossa cultura, impediram-nos ao progresso e submeteram-nos ao regresso enquanto seres humanos. Esta dominação, a que Amílcar Cabral chamou de colonialismo clássico, não foi só uma forma que usaram para oprimir o nosso povo, foi também uma forma que adotaram para construir e perpetuar o seu domínio facista sobre toda a Terra. Hoje, todos sabemos e compreendemos que as grandes potências foram construídas com grandes sofrimentos, massacres e derrame de sangue, mas é incompreensível como poderíamos nós, descendentes dos oprimidos, continuar nas suas cidades, seus impérios, como se nada tivesse acontecido! Ainda sinto o cheiro de sangue quando caminho nas ruas e praças das suas cidades, as marcas dos nossos ancestrais estão por todos os lados, nos museus, nos arquivos históricos e até mesmo nos cemitérios onde existe a presença dessa dominação, por inúmeros lugares onde existiu a segregação, lugares que são frequentados por brancos separados dos negros, até mesmo em Cabo Verde temos essa prova com o cemitério de brancos e pretos na ilha do Fogo. Não há como não ver isso, mas a grande maioria infelizmente não tem essa percepção com frequência.

Essa falta de consciência foi embutida no nosso povo sistematicamente, planejada e calculada, através do neocolonialismo, o que Amílcar Cabral chamou de dominação indireta, em que eles passam a pseudo-independência para o nativo, continuando com o seu regime opressor e facista numa outra escala de domínio. São várias as teorias racistas que eles inventaram para justificar a escravatura e através destas fundaram as suas sociedades e construíram suas cidades nos usando como força produtiva e em troca nos segregaram dos seus planos sociais, culturais e econômicos. Veja algumas teorias racistas defendidas por eles, tendo-as como base da construção das suas sociedades:

O Rev. Thomas thompson publicou em 1772 uma monografia onde procurou demonstrar a inferioridade do negro diante do brando, intitulada: O Comércio dos Escravos Negros na Costa da África de acordo com os Princípios Humanos e com as Leis Religiosas Reveladas.”
Em 1852, o Rev. J.Priest, conhecido etnógrafo e fundador da Sociedade Antropológica de Londres, publicou em tratado denominado A Bíblia defende a Escravidão, onde é a favor desta, usando uma suposta argumentação biblica favorável, na realidade falsa.
Em 1900, C.Carrol em sua obra Provas Bíblicas e Científicas de que o Negro não é Membro de uma Raça Humana, afirma que todas as pesquisas científicas confirmam sua natureza caracteristicamente símia
.” Superando o Racismo na Escola, Kabengele Munanga – organizador, pag. 48.

Assim permanece as suas normas até hoje, a escravatura sempre existiu e ainda existe, mas não é percebida pelo povo. O neocolonializado. Por isso uma luta armada foi necessária e continua sendo necessário lutar também nesta batalha, para não acabarmos oprimidos por tempos maiores do que já fomos. A luta armada foi um instrumento de unificação, assim como foi um instrumento de progresso cultural, afirma Amílcar Cabral, que reuniu as massas em um único movimento de libertação e em uma única ideologia, A libertação nacional total. A importância da luta armada, além de nos garantir segurança, paz e a integridade física foi, sem dúvida, a consciência ideológica benéfica e louvada de ser compreendida e vivida eternamente em cada africano honesto. A luta exigiu a mobilização e a organização de uma massa significativa da população das diversas categorias sociais à unidade política e moral que hoje não se fala muito ou se fala, mas não se põe em prática.

Se aliarmos a estes fatos, inerentes a uma luta armada de libertação, a prática da democracia, da crítica e da autocrítica, a responsabilidade crescente da população na gestão da sua vida, a alfabetização, a criação de escola e de assistência sanitária, a formação de quadros originários dos meios rurais e operários – assim como outras realizações – veremos que a luta armada de libertação é não apenas um fato cultural mas também um fator de cultura. Essa é, sem dúvida alguma, para o povo, a primeira compensação aos esforços e sacrifícios que são o preço da guerra. Perante esta perspectiva, compete ao movimento de libertação definir claramente os objetivos da resistência cultural, parte integrante e determinante da luta.” Arma da teoria, A. Cabral, pag. 69 a70.

Numa perspectiva coletiva, a impressão que se tem hoje sobre a repercurssão da luta armada no nosso povo é que ela abriu-nos o caminho para a libertação nacional na totalidade, mas não foi efetivamente alcançada, porque o povo não beneficia com o “Estado Independente” , liberdade equitária. As normas da sociedade africanas continuam com os alicerces sobre uma constituição opressora, onde poucos tem de tudo em abundância e muitos nada possuem, na miséria. Esses estados independentes (Guiné e Cabo Verde) não foi capaz de manter a promessa de uma liberdade total sem o seu maior protagonista, o Secretário Geral Amílcar Cabral. O estado independente foi incapaz de continuar com a política revolucionária do PAIGC, porém é capaz de nos passar uma falsa ilusão do desenvolvimento e progresso financeirol. No entanto, na perspectiva individual, a luta de Amílcar Cabral foi e continua sendo uma fonte de inspiração para os retos no pensamento e justos na ação, de uma riqueza intangível, incapaz de ser expressa na totalidade por esse meio. Nos poucos que ainda dão real importância a essa luta, existe neles uma consciência revolucionária, uma luta individual comun as aspirações do nosso povo africano. Assim como Amílcar Cabral afirmou nos tempos passados, hoje cumpre-se rigorosamente palavra por palavra, de que a batalha é diferente à de 47 anos atrás, o inimigo pode ser qualquer pessoa com espírito de colono e a arma para enfrentar esta batalha é o conhecimento matématico e tecnologico.

Que esse dia fique na mente dos patriotas como um dia em que devemos renovar as nossas esperanças, pois o próprio Amílcar Cabral sempre mostrava essa esperança nos povos e assim viveu até os seus últimos dias em que esteve conosco fisícamente porque acreditava no destino da África, Alkebu-Lan. Cabral Vive!

Deixo esse discurso do Secretátio Geral, Amílcar Cabral, em Addis-Abeba, Etiópia, em abril de 1971 na Oitava Conferência dos Chefes de Estado de Governos da Organização da Unidade Africana (OUA): “Há pessoas ou combatentes que desesperam, mas os povos nunca desesperam. É necessário confiar nos povos e nós combatentes da liberdade africana, nós que estamos prontos para morrer e vimos camaradas tombar ao nosso lado, nós não temos qualquer razão para não acreditar no destino da África, na capacidade de qualquer que seja o povo africano de se libertar totalmente do jugo colonial e racista e de tomar nas suas mãos o seu destino, como vós próprios o fizestes.” A Arma da teoria, Amilcar Cabral, pag. 11.

Por Vadinho. Uma contribuição de www.Khemsvibes.wordpress.com

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Um pouco sobre a musicalidade de Cabo Verde

Esclarece o antropólogo caboverdiano João Lopes Filho, no seu livro “Introdução à Cultura Cabo Verdiana”, editado pelo antigo Instituto Superior de Educação de Cabo Verde, que a música Caboverdiana é de “melopeia bantu”, ou seja, de origem essecialmente africana.

Como o surgimento da sua população, os instrumentos musicais caboverdianos foram introduzidos em Cabo Verde com o tráfico de escravos, pelos próprios africanos escravizados.

A Cimbó ou Cimboa, uma espécie de rabeca, cujo termo, segundo o referido João Lopes citando António Carreira, é de origem mandinga. Mais diz João, que corroboramos, este instrumento musical preciso ser preservado para não desaparecer. Poucos o conhecem em Cabo Verde e menos ainda o sabem tocar. Diz-nos João que actualmente existe apenas na ilha de Santiago, mas já foi presente em Sto. Antão, S. Nicolau, Fogo e Maio, sendo estas as primeiras ilhas de Cabo Verde a serem povoadas. A Cimboa é normalmente utilizada nas festas da tabanca e no batuque.

Utilizou-se também em Cabo Verde o tambor africano, o Tam-Tam, mas a igreja proibiu o seu uso e substituiu-o pelo tamboril e o tambor português, ambos bimembrafones. O tambor africano desapareceu muito cedo de Cabo Verde. Entretanto, sempre é possível o seu resgate para a preservação, divulgação e manutenção da nossa história, cultura e identidade africana.

Coabitou no ambiente musical, violinos, violões, cavaquinho e bandolim (banjo). O banjo, igualmente, já quase não se usa. Jogo de maracás (chocalho), viola de 10 cordas (5 cordas duplas). Clarinete, trompete, tocados na Morna acústica.
*
As Cantigas de guarda-de-sementeiras, resultado de um meio rural tradicional, caracterizada pela existência ancestral e pela sua função utilitária, ligada ao exercício da actividade agrícola em condições de permanente desafio à natureza (cultura de sequeiro, donde provém o milho e o feijão). A escassez da chuva que causava perdas de sementeiras, e a necessidade de guardar a sementeira evitando corvos, parvais e galinhas-de-mato, determinara o surgimento das cantigas de guarda-de-sementeira, sendo eles as suas personagens.

As Cantigas de curral-de-trapiche, também conhecidas por “cóla-boi” ou “aboios”, surgem com a introdução da cana-de-açúcar em Cabo Verde. Em substituição dos animais de tracção era utilizada a força física do escravo africano nos primeiros engenhos de açúcar, assim, surgindo estas cantigas da “bestialização”, brutificação, destes escravos.

Em situações idênticas de trabalho escravo, surgiram as Cantigas de mondadores, na época da monda (sementeiras), que são designadas de bombena.

Fazem ainda parte da música e dança caboverdiana, a morna, na epóca considerada pelos moradores brancos de Cabo Verde “batuque que agora tocam por aí e que não permite às pessoas dormir”, a coladeira, o batuque - com finaçon e o funaná tendo como lugar próprio o «terrero» - e a mencionada tabanca (peregrinação dançante) de ascendência africana.

(...)
Abenaa.