Hoje, 23 de janeiro de 2010, 47 anos depois do dia em que se iniciou a luta armada, ficam algumas questões de reflexão para os nossos irmãos e irmãs africanos analisarem e consignarem em si mesmo a verdadeira importância do que foi o movimento de libertação nacional do PAIGC e repensar as nossas ações afim de redefinir o rumo em que estamos levando o futuro dos nossos povos. Um futuro que, a meu ver, caminha para o sentido oposto da história da construção do nosso Estado Independente. Unidade, Trabalho e Progresso.
Será que Amílcar Cabral lutou em vão? Qual foi a importância de uma luta armada na nossa história? Como hoje vemos e encaramos esse fato (luta armada) com a realidade presente do nosso País e do nosso Continente Africano?
A luta armada foi uma reação, uma resposta à violência, à brutalidade da opressão colonial e neocolonial. Ela não abrange somente a integridade física e territorial como também, a integridade psíquica e intelectual. Foi uma combinação de teoria e prática revolucionária para defender o nosso povo de um domínio estrangeiro, uma forma dolorosa, mas eficaz de continuarmos com o progresso do nosso povo. Mas antes, de falar da luta armada do PAIGC, é importande relembrar o que foi a colonialização e o que é a neocolonialização para que entendamos as questões já mencionadas e quais são os seus efeitos sobre nós africanos hoje.
“No que se refere aos efeitos da dominação imperialista sobre a estrutura social e o processo histórico dos nossos povos, convém averiguar em primeiro lugar quais as formas gerais de dominação, do imperialismo. Elas são pelo menos duas:
1)Dominação direta – por meio de um poder político integrado por agentes estrangeiros ao povo dominado (forças armadas, polícia, agentes da administração e colonos) – à qual se convencionou chamar colonialismo clássico ou colonialismo.
2)Dominação indireta – por meio dum poder político integrado na sua maioria ou na totalidade por agentes nativos – à qual se convencionou chamar de neocolonialismo.” Arma da teoria, Amílcar Cabral, pag. 31 a 32.
1)Dominação direta – por meio de um poder político integrado por agentes estrangeiros ao povo dominado (forças armadas, polícia, agentes da administração e colonos) – à qual se convencionou chamar colonialismo clássico ou colonialismo.
2)Dominação indireta – por meio dum poder político integrado na sua maioria ou na totalidade por agentes nativos – à qual se convencionou chamar de neocolonialismo.” Arma da teoria, Amílcar Cabral, pag. 31 a 32.
A dominação direta, sabemos que perdurou no mínimo quatro séculos, ou seja, quatrocentos anos sob o comando da igreja católica alegando que os africanos são pagãos e que precisam ser salvos por eles, tendo como base uma ideologia diabólica, racista, cruel e desumana. Construíram o imperialismo com o sangue dos nossos ancestrais, destruíram a nossa cultura, impediram-nos ao progresso e submeteram-nos ao regresso enquanto seres humanos. Esta dominação, a que Amílcar Cabral chamou de colonialismo clássico, não foi só uma forma que usaram para oprimir o nosso povo, foi também uma forma que adotaram para construir e perpetuar o seu domínio facista sobre toda a Terra. Hoje, todos sabemos e compreendemos que as grandes potências foram construídas com grandes sofrimentos, massacres e derrame de sangue, mas é incompreensível como poderíamos nós, descendentes dos oprimidos, continuar nas suas cidades, seus impérios, como se nada tivesse acontecido! Ainda sinto o cheiro de sangue quando caminho nas ruas e praças das suas cidades, as marcas dos nossos ancestrais estão por todos os lados, nos museus, nos arquivos históricos e até mesmo nos cemitérios onde existe a presença dessa dominação, por inúmeros lugares onde existiu a segregação, lugares que são frequentados por brancos separados dos negros, até mesmo em Cabo Verde temos essa prova com o cemitério de brancos e pretos na ilha do Fogo. Não há como não ver isso, mas a grande maioria infelizmente não tem essa percepção com frequência.
Essa falta de consciência foi embutida no nosso povo sistematicamente, planejada e calculada, através do neocolonialismo, o que Amílcar Cabral chamou de dominação indireta, em que eles passam a pseudo-independência para o nativo, continuando com o seu regime opressor e facista numa outra escala de domínio. São várias as teorias racistas que eles inventaram para justificar a escravatura e através destas fundaram as suas sociedades e construíram suas cidades nos usando como força produtiva e em troca nos segregaram dos seus planos sociais, culturais e econômicos. Veja algumas teorias racistas defendidas por eles, tendo-as como base da construção das suas sociedades:
“O Rev. Thomas thompson publicou em 1772 uma monografia onde procurou demonstrar a inferioridade do negro diante do brando, intitulada: O Comércio dos Escravos Negros na Costa da África de acordo com os Princípios Humanos e com as Leis Religiosas Reveladas.”
Em 1852, o Rev. J.Priest, conhecido etnógrafo e fundador da Sociedade Antropológica de Londres, publicou em tratado denominado A Bíblia defende a Escravidão, onde é a favor desta, usando uma suposta argumentação biblica favorável, na realidade falsa.
Em 1900, C.Carrol em sua obra Provas Bíblicas e Científicas de que o Negro não é Membro de uma Raça Humana, afirma que todas as pesquisas científicas confirmam sua natureza caracteristicamente símia.” Superando o Racismo na Escola, Kabengele Munanga – organizador, pag. 48.
Assim permanece as suas normas até hoje, a escravatura sempre existiu e ainda existe, mas não é percebida pelo povo. O neocolonializado. Por isso uma luta armada foi necessária e continua sendo necessário lutar também nesta batalha, para não acabarmos oprimidos por tempos maiores do que já fomos. A luta armada foi um instrumento de unificação, assim como foi um instrumento de progresso cultural, afirma Amílcar Cabral, que reuniu as massas em um único movimento de libertação e em uma única ideologia, A libertação nacional total. A importância da luta armada, além de nos garantir segurança, paz e a integridade física foi, sem dúvida, a consciência ideológica benéfica e louvada de ser compreendida e vivida eternamente em cada africano honesto. A luta exigiu a mobilização e a organização de uma massa significativa da população das diversas categorias sociais à unidade política e moral que hoje não se fala muito ou se fala, mas não se põe em prática.
“Se aliarmos a estes fatos, inerentes a uma luta armada de libertação, a prática da democracia, da crítica e da autocrítica, a responsabilidade crescente da população na gestão da sua vida, a alfabetização, a criação de escola e de assistência sanitária, a formação de quadros originários dos meios rurais e operários – assim como outras realizações – veremos que a luta armada de libertação é não apenas um fato cultural mas também um fator de cultura. Essa é, sem dúvida alguma, para o povo, a primeira compensação aos esforços e sacrifícios que são o preço da guerra. Perante esta perspectiva, compete ao movimento de libertação definir claramente os objetivos da resistência cultural, parte integrante e determinante da luta.” Arma da teoria, A. Cabral, pag. 69 a70.
Numa perspectiva coletiva, a impressão que se tem hoje sobre a repercurssão da luta armada no nosso povo é que ela abriu-nos o caminho para a libertação nacional na totalidade, mas não foi efetivamente alcançada, porque o povo não beneficia com o “Estado Independente” , liberdade equitária. As normas da sociedade africanas continuam com os alicerces sobre uma constituição opressora, onde poucos tem de tudo em abundância e muitos nada possuem, na miséria. Esses estados independentes (Guiné e Cabo Verde) não foi capaz de manter a promessa de uma liberdade total sem o seu maior protagonista, o Secretário Geral Amílcar Cabral. O estado independente foi incapaz de continuar com a política revolucionária do PAIGC, porém é capaz de nos passar uma falsa ilusão do desenvolvimento e progresso financeirol. No entanto, na perspectiva individual, a luta de Amílcar Cabral foi e continua sendo uma fonte de inspiração para os retos no pensamento e justos na ação, de uma riqueza intangível, incapaz de ser expressa na totalidade por esse meio. Nos poucos que ainda dão real importância a essa luta, existe neles uma consciência revolucionária, uma luta individual comun as aspirações do nosso povo africano. Assim como Amílcar Cabral afirmou nos tempos passados, hoje cumpre-se rigorosamente palavra por palavra, de que a batalha é diferente à de 47 anos atrás, o inimigo pode ser qualquer pessoa com espírito de colono e a arma para enfrentar esta batalha é o conhecimento matématico e tecnologico.
Que esse dia fique na mente dos patriotas como um dia em que devemos renovar as nossas esperanças, pois o próprio Amílcar Cabral sempre mostrava essa esperança nos povos e assim viveu até os seus últimos dias em que esteve conosco fisícamente porque acreditava no destino da África, Alkebu-Lan. Cabral Vive!
Deixo esse discurso do Secretátio Geral, Amílcar Cabral, em Addis-Abeba, Etiópia, em abril de 1971 na Oitava Conferência dos Chefes de Estado de Governos da Organização da Unidade Africana (OUA): “Há pessoas ou combatentes que desesperam, mas os povos nunca desesperam. É necessário confiar nos povos e nós combatentes da liberdade africana, nós que estamos prontos para morrer e vimos camaradas tombar ao nosso lado, nós não temos qualquer razão para não acreditar no destino da África, na capacidade de qualquer que seja o povo africano de se libertar totalmente do jugo colonial e racista e de tomar nas suas mãos o seu destino, como vós próprios o fizestes.” A Arma da teoria, Amilcar Cabral, pag. 11.
Por Vadinho. Uma contribuição de www.Khemsvibes.wordpress.com